Falta de oxigênio em Manaus: há risco do problema se alastrar pelo país?
A média móvel de casos do novo coronavírus vem aumentando no Brasil e especialistas temem que outras partes do país sofram com a crise sanitária presente no Amazonas
Em meio à falta de leitos e de oxigênio para pacientes com Covid-19 nos hospitais de Manaus, a alta nos casos da doença no resto do país passa a preocupar especialistas sobre uma possível insuficiência de oxigênio e insumos hospitalares também por outras partes do Brasil. O maior risco de carência no abastecimento de materiais para tratar os pacientes é dado na Região Norte, segundo eles.
Por que o Amazonas está em crise e sem oxigênio?
Em abril do ano passado, Manaus foi a primeira cidade do país a enfrentar graves turbulências em seu sistema de saúde, devido ao rápido aumento dos casos de infecção pelo novo coronavírus. Na época, Manaus batia recorde de óbitos e alguns corpos tinham de ser armazenados em contêineres refrigerados, aguardando sepultamento. Após o pico de casos, o número de infectados começou a diminuir.
No meio do ano, no entanto, médicos voltaram a alertar que a curva de casos em Manaus e no restante do estado estava aumentando. Pesquisadores afirmam que por vezes avisaram o governo federal, a comissão mista da Covid-19 no Congresso e a Secretaria de Saúde. Nesta quarta-feira (13), a cidade voltou a bater recordes: foram 198 corpos sepultados.
Especialistas afirmam que a falta de uma ação planejada com a indústria fornecedora de oxigênio é uma das causas da atual crise no estado, já que o produto pode levar dias para chegar a um hospital, mas é consumido em caráter imediato. Em suma, a demanda é muito maior que a oferta e não há tempo hábil de equilibrar esta balança.
Segundo o consultor em planejamento estratégico Ronaldo Santos, não haveria um problema de capacidade para elevar a produção de oxigênio para os hospitais, em questão de transportes. Ele alerta que a falta de planejamento público explica o quadro atual: “deveria ter sido pedido um plano de ação das empresas para fornecimento ao longo do ano passado”, afirmou ao jornal o Estado de São Paulo.
Falta de oxigênio não acompanha demanda no país
Segundo a White Martins, a maior fornecedora de oxigênio para Manaus, o consumo de oxigênio na cidade é de 70 mil metros cúbicos diários, quase três vezes a capacidade de produção da empresa na região. Na primeira onda, a demanda era de 30 mil metros cúbicos em Manaus, mais que o dobro.
A White Martins está ampliando sua produção para 28 mil metros cúbicos, além de deslocar oxigênio de outras sete fábricas do país. A empresa recebeu autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para reduzir temporariamente o percentual de pureza do oxigênio de 99% para 95%, o que facilitaria o aumento da produção.
Mesmo que muitas doações estejam sendo feitas por todo o país, a falta de oxigênio em Manaus também se deve à dificuldade de transportar o produto. Além disso, especialistas em logística apontam que existe uma limitação de quantidade do produto para transporte por via aérea porque a carga é perigosa, e nem toda aeronave está adaptada para levá-la. A Fiam, federação das indústrias do estado do Amazonas, alega que o cenário é de caos e que o governo do estado fala em licitar 11 minifábricas de oxigênio para hospitais, segundo Antônio Silva, presidente da entidade.
A falta de oxigênio pode se alastrar pelo país?
Para o professor de Gestão de Cadeia de Suprimentos do Insper Vinícius Picanço, a situação que ocorre em Manaus pode acontecer em outros estados, ainda mais com a chegada da nova cepa do coronavírus. Ele evidencia que locais com com limitações na infraestrutura de transportes, como parte do Nordeste e o interior do país, podem ser os mais afetados. Picanço evidencia a importância do planejamento.
O Brasil registrou 1.131 mortes pela Covid-19 na última sexta-feira (15), chegando ao total de 208.291 óbitos desde o começo da pandemia. A variação da média móvel de casos foi de +37% em comparação à média de 14 dias atrás, indicando tendência de crescimento nos óbitos pela doença.
“Não dá para dizer que era imprevisível a escassez. Por mais que a demanda tenha um comportamento exponencial, existem modelos matemáticos para isso. A questão envolve logística e previsão de estoque”, disse. “Houve tempo na pandemia de posicionar os estoques adequadamente, de armazenar insumos em regiões estratégicas”, afirma.
O consultor Ronaldo Santos ainda alerta para outro problema: a falta de tanques para transportar o produto no estado líquido: “Não temos grande produção, as empresas importam da Índia e da China. E a maior parte dos hospitais recebe esse oxigênio líquido em tanques, já que os cilindros têm volume menor. Muitas empresas têm realocado os tanques da indústria, mas não é rápido.”
Os especialistas temem falha na oferta de oxigênio em outras partes do país a depender do aumento de casos. Contudo, afirmam que o tempo de reação seria menor do que em Manaus. Jorge Mathuiy, diretor comercial da MAT, maior produtora de cilindros do Brasil, declarou que já está aumentando sua produção de 22 mil cilindros por mês para 25 mil para se preparar para o aumento da demanda.