Golpe? O que Lula falou sobre o impeachment de Dilma
Parlamentares ameaçaram pedir o impeachment do próprio Lula após falas do presidente
Em suas viagens diplomáticas para dois países da América Latina, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chamou de golpe o processo de impeachment sofrido pela ex-presidente Dilma Rousseff, retirada do poder no ano de 2016. A primeira vez aconteceu durante a visita à Argentina e a segunda ocorreu ontem, dia 25 de janeiro, na passagem de Lula por Montevidéu, no Uruguai.
Na ocasião, o presidente disse: “O Brasil não tinha mais fome quando eu deixei a Presidência da República e, hoje, tem 33 milhões de pessoas passando fome. Significa que quase tudo que nós fizemos de benefício social no meu país, em 13 anos de governo, foi destruído em seis anos, ou melhor, em sete anos: três do golpista Michel Temer e quatro do governo Bolsonaro. Por isso, o lema do meu governo é união e reconstrução.”
O que é um impeachment?
O nome “impeachment” vem da língua inglesa e significa “impedimento”. Segundo registros históricos, a primeira pessoa a sofrer impeachment foi Lord Latimer, em 1376, na Câmara dos Comuns do parlamento da Inglaterra. No Brasil, o impeachment é entendido como um processo político-jurídico e está previsto pela Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079/50) e pelo Artigo 85 da Constituição Federal. Ele é dividido, basicamente, em seis fases: a realização do pedido de denúncia de crime de responsabilidade junto à Câmara dos Deputados, a aceitação deste pedido, a primeira votação na Câmara, o envio desse resultado para o Senado, uma segunda votação (agora no Senado) e, por fim, a penalização.
Acontecem, também, casos em que os pedidos de impeachment não são levados adiante pelo presidente da Câmara dos Deputados, já que não há um prazo para que ele seja apreciado. Foi o que foi observado, por exemplo, ao longo do governo anterior, quando mais de 1.550 pessoas e 550 organizações assinaram pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Ao todo, segundo dados levantados pela Agência Pública, foram enviados 153 documentos à Câmara dos Deputados.
No caso da presidência da Câmara aprovar o pedido, ele é despachado para uma Comissão Especial e, após admitido pela mesma, a autoridade que foi denunciada é comunicada do processo e tem o direito de se manifestar em até 10 sessões. Após ser votado pelos deputados, dependendo de qual for o parecer, o pedido é apresentado ao Senado que, por sua vez, será responsável pelo julgamento.
Não é apenas quem está no cargo de presidente que pode sofrer um impeachment: o processo pode ser aplicado para vice-presidentes, governadores e ministros do Estado e do Supremo Tribunal Federal.
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Por que Lula diz que Dilma sofreu um golpe?
Em 2016, Dilma Rousseff já usava o termo “golpe” para se referir ao processo de impeachment. A visão de ex-presidenta ganhou força junto à sua base política e uma parcela da população após dois episódios específicos, ocorridos no mesmo ano de 2016, envolvendo alguns dos atores políticos em torno do impeachment.
Um deles foi a revelação das contas secretas em bancos suíços que pertenciam ao então deputado Eduardo Cunha, que era o presidente da Câmara dos Deputados e abriu o processo de impeachment de Dilma. No ano seguinte, em 2017, com o impeachment já feito, Michel Temer deu uma entrevista à TV Bandeirantes e contou que, após não receber o apoio do Partido dos Trabalhadores (PT, partido de Dilma e Lula) para chegar à presidência da Câmara, Cunha afirmou que “tudo aquilo que eu disse [sobre arquivar os pedidos de impeachment] não vale. Vou chamar a imprensa e dar início ao processo de impedimento”. Cunha foi preso pela Lava Jato em 2017 e saiu em 2020, transferido para prisão domiciliar. Em maio de 2021, a Justiça revogou o último mandado de prisão contra ele.
Outro episódio ocorrido em 2016 que reforçou a visão de golpe foi o áudio vazado no qual dois políticos do PMDB (partido de Michel Temer) afirmam que, para “estancar a sangria”, seria preciso “mudar o governo” e “botar o Michel, num grande acordo nacional, com o Supremo [STF], com tudo”.
A denúncia para o impeachment de Dilma conta com 3.740 páginas e afirma que ela cometeu crime de responsabilidade devido à uma manobra, conhecida como pedalada fiscal, envolvendo o Plano Safra e o atraso no repasse do Tesouro Nacional ao Banco do Brasil. O documento também sustenta como crime o fato de Dilma ter autorizado decretos orçamentários sem autorização expressa do congresso nacional, como é pedido por lei.
Ainda em 2016, a Junta Pericial designada pelo senado para atuar junto à Comissão Especial do Impeachment chegou à conclusão, em relação à pedalada fiscal, que o atraso nos repasses do Plano Safra ao Banco do Brasil se constituem em uma operação de crédito, tendo a União como devedora. Para os peritos, esta prática vai contra a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A mesma equipe de peritos, no entanto, afirmou que não foi possível identificar nenhum ato comissivo por parte de Dilma, ou seja, não foi possível encontrar uma ação que pudesse culpá-la como causadora direta desse dano. Essa conclusão pericial foi um dos argumentos utilizados pela defesa de Dilma durante o processo de impeachment.
Os episódios acerca da confiabilidade de Cunha, do áudio vazado e da conclusão dos peritos seguem, até hoje, como argumentos a favor da versão do golpe, como é o caso defendido pelo presidente Lula.
Lula vai sofrer um impeachment?
Após Lula chamar o processo de impeachment de Dilma Rousseff de golpe em mais de uma ocasião, o deputado do Partido Liberal (PL) do Rio Grande do Sul, Ubiratan Sanderson, afirmou que entrará com um pedido de impeachment de Lula junto à Câmara dos Deputados, pois entende que a fala do presidente é “flagrante prática de crime de responsabilidade”. O pedido ainda não foi apresentado.
O ex-presidente Michel Temer, que assumiu o poder após a retirada de Dilma, publicou uma nota à imprensa após a fala de Lula em Montevidéu, dizendo que o atual presidente “parece insistir em manter os pés no palanque e os olhos no retrovisor, agora tentando reescrever a história por meio de narrativas ideológicas”.