Por que insistimos em apostar na loteria? Especialistas explicam
Mesmo com chances pequenas de conquistar o prêmio e após perder inúmeras vezes, as pessoas continuam apostando. Por que isso acontece? O que nos motiva a apostar?
Quem nunca desejou ganhar alguns bilhões sorteados em loterias e jogos de sorte? A ideia de mudar de vida e ter novas oportunidades, conquista milhares de apostadores em todo o Brasil. Mas, mesmo com chances pequenas de conquistar o prêmio, todos os anos, a Mega-Sena da Virada, por exemplo, gera filas enormes pelas lotéricas do país. Por que isso acontece? O que nos motiva a apostar na loteria?
O jornal DCI consultou especialistas a fim de explicar essa cultura.
Por que as pessoas gostam tanto de apostar na loteria?
Neurologicamente, recompensas incertas ativam os neurônios responsáveis pela satisfação. Na prática, gostamos de apostar basicamente por causa da dopamina. Isso porque esse neurotransmissor está associado ao sistema de “recompensas”, ou seja, ele é liberado em altas doses toda vez que o cérebro quer dizer: “Isso foi bom! Faça de novo!”.
Apostar na loteria entra nesse circuito, por conta da sensação positiva de se fazer algo de bom para o “eu futuro”. Dessa forma, cria-se a sensação de mudança de vida. “O ser humano por natureza tem esperança, diminuindo toda a probabilidade racional naquele momento, em que o acreditar toma o lugar da racionalidade, pois somos movidos pela emoção, impulsividade e o desejo. Então por que não arriscar?”, questiona o Psicólogo Kléber Marinho.
Perdendo e apostando
Nos jogos de sorte, é muito mais provável perder do que ganhar. Mas, como somos movidos pela esperança, o apostador ainda assim, cria expectativas. Para Marinho, essa fantasia que invade o indivíduo pertence a todo ser humano. Em outras palavras, isso é viver. É a ideia de acordar todos os dias com algum tipo de confiança de que o dia seguinte será melhor. A grande questão é: somos movidos pelo otimismo. E, segundo os psicólogos, isso faz com que a pessoa aposte. O emocional sobressai a racionalidade.
De acordo com a psicóloga Elen Contro, um estudo revela que o cérebro de apostadores reage de modo mais intenso as ocasiões em que a vitória esteve muito próxima. Ou seja, quando “perdem por pouco”, ou “quase ganham”, a quantidade de dopamina liberada é quase a mesma de quando vencem. “Isso explicaria o motivo dos jogadores continuarem apostando mesmo quando estão perdendo”, avalia.
Para a psicóloga Daniela de Oliveira, o prazer não está em ganhar, mas em apostar. “Temos que considerar que vivemos em uma cultura que fomenta o prazer imediato. As pessoas percebem o dinheiro e a posição social como sinônimos de afeto. Isso acaba evando-as cada vez mais à procura do dinheiro como principal fonte de prazer e reconhecimento”, reflete.
No entanto, apesar de parecer um ganho fácil, a loteria pode ser uma grande armadilha – justamente por ter um custo imediato baixo. É como se os jogadores só pensassem nos quase cinco reais que se desembolsa por aposta. No entanto, é difícil calcular o valor esbanjado por ano ou durante a vida toda – a quantia gasta pode surpreender.
Até que ponto sou influenciado?
Cada indivíduo nasce inserido em uma cultura e sociedade. As crenças, hábitos, valores e tudo o que envolve a cultura são responsáveis pela formação de cada pessoa. “Somos seres sociais, cada um de nós tem o desafio de construir uma vida pessoal dentro dos valores e cultura de nossa família e sociedade. Não somos separados, portanto, apostar na Mega-Sena, por exemplo, é tanto cultural quanto pessoal”, explica Oliveira.
Para Contro, o fato de vivermos em uma sociedade que mede o sucesso das pessoas por sua conta bancária, é fator incentivador das apostas. A especialista também acredita que a desigualdade de oportunidades faz com que muitas pessoas percam a esperança de melhorar a vida por meio de estudos ou trabalho – o que faz da loteria a melhor chance para mudar de vida.
Cuidados antes de apostar na loteria
Para os especialistas, apostar em loterias “é com certeza”, um dos comportamentos mais irracionais que as pessoas tomam. Essa afirmação se dá, a partir da ideia de que poucos apostadores de loterias pensam nas probabilidades envolvidas. “Adianta falar para alguém que é mais fácil ser atingido por um raio – uma chance em três milhões – ou ser atacado por um tubarão uma chance em 11 milhões – do que ganhar na Mega-Sena – uma chance em 50 milhões? Se disser isso para alguém na fila da lotérica, essa pessoa provavelmente não vai desistir e ir embora”, avalia Contre.
A psicóloga afirma, que o efeito máximo causado será uma reflexão: “Quão pequena é uma chance em 50 milhões? Não sei…só sei que é maior que zero, então aposto”. Então, ter consciência principalmente de que, as chances são minúsculas, e não depender das apostas como principal estratégia para melhorar de vida, são cuidados necessários para aqueles que apostam ou desejam apostar.
Indícios de que os jogos de loteria se tornaram um vício
É unânime entre os psicólogos entrevistados: a única maneira de evitar o vício, é não jogar. De acordo com os especialistas, alguns estudos mostram uma tendência genética ao transtorno, que está associado à impulsividade. Algumas características de que jogar está prejudicando sua saúde são:
- A preocupação excessiva com jogo;
- Uma necessidade cada vez maior de apostar;
- Tentativas em vão de controlar o jogo;
- Desespero e inquietação ao tentar parar de jogar,
- Passar a jogar para aliviar o humor ou entrar no ciclo vicioso de tentativas para recuperar o que se perdeu;
- Colocar em perigo seus relacionamentos por causa do jogo;
- Pedir dinheiro emprestado ou adquirir dívidas.
Ou seja, ao perceber que já não consegue se abster dos jogos, mesmo sabendo que está prejudicando outras áreas de sua vida, está na hora de procurar ajuda especializada.
Especialistas: Daniela de Oliveira é psicóloga e integrante do Ambulatório de Medicina e Estilo de Vida do Hospital das Clínicas | Elen Contro é psicóloga e sócia da Clínica Humano Mais | Kléber Maia Marinho é psicólogo analítico e Mestre pela PUC-SP, tem ampla experiência em atendimento clínico, institucional e hospitalar na área da saúde mental em geral e na área de dependência química.