CPMF de volta? Entenda o novo imposto que o governo quer criar
A CPMF foi extinta em 2007, mas, desde então, o fantasma do seu retorno continua rondando os brasileiros e seus governos.
O governo federal tem debatido a proposta de um novo imposto sobre pagamentos, semelhante à antiga CPMF (Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira), extinta em 2007. Mas o que se sabe até agora sobra a ideia da equipe econômica?
Nova proposta – CPMF
A proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de impor uma tarifa sobre transações financeiras enfrenta forte resistência no Congresso e também na sociedade. A ideia de Guedes é substituir os tributos cobrados sobre a folha de pagamento das empresas por um imposto sobre transações digitais.
O ministro alega que o fim da contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha de salários é a solução para abrir de vagas formais no mercado de trabalho e combater a informalidade. Para compensar a perda dessa receita, o governo pretende cobrar, nas palavras de Paulo Guedes, “uma alíquota pequeninha, de 0,2% sobre o comércio eletrônico”.
Os detalhes da proposta ainda são escassos. Entretanto, bastou um piscar de olhos para que ela fosse rotulada como uma tentativa de reinstituir a cobrança da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras.
Diferenças e semelhanças
A cúpula do governo Jair Bolsonaro nega que o imposto proposto tenha alguma semelhança com a extinta CPMF. De fato, os objetivos são diferentes. A antiga CPMF surgiu com a promessa – jamais cumprida – de fazer frente ao subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Já a proposta de Guedes mira a desoneração da folha de pagamentos.
Também é de se esperar que, qualquer que seja o nome ou a sigla do novo imposto que Bolsonaro prometera não criar, essa identidade passe longe de qualquer coisa que se pareça com CPMF.
Porém, pelo que se sabe até agora, as diferenças param por aí. Qualquer que seja a “alíquota pequeninha” imposta ao comércio eletrônico, ela vai gerar um imposto em cascata, exatamente como a antiga CPMF.
Impostos em cascata incidem sobre todos os elos da cadeia produtiva e do consumo. O resultado mais provável, segundo críticos, é de que a medida acabe por elevar a carga tributária sobre diversos setores da economia sem gerar o almejado efeito sobre o aumento do emprego formal.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vem reiterando há meses que qualquer proposta nos moldes da extinta CPMF “não passa no Congresso”.
No entanto, os líderes do chamado Centrão, bloco de partidos fisiologistas com o qual Bolsonaro aproximou-se recentemente, estão empenhados em facilitar a tramitação do novo imposto. A ideia é fatiar a reforma tributária em discussão no Congresso Nacional.
A história da CPMF
A Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras também era conhecida como “imposto do cheque”. Ela atormentou a vida dos brasileiros durante pouco mais de uma década entre o fim dos anos 1990 e os primeiros anos do novo milênio.
Entretanto, a CPMF não foi o primeiro imposto do gênero a existir no Brasil. Seu embrião foi o Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF). O tributo vigorou durante todo o último ano do governo Itamar Franco, em 1994, o mesmo ano da criação do Plano Real.
O IPMF tinha como objetivo substituir em algum momento o imposto de renda. Por incidir sobre todas as transações financeiras, o IPMF era bem mais abrangente e restringia consideravelmente a sonegação. Apesar do potencial de simplificar a tributação e do sucesso em termos de arrecadação, o IPMF não foi renovado em 1995 em meio a críticas por causa do efeito-cascata. A cobrança do imposto de renda, no entanto, seguiu como antes.
Ministro da Fazenda de Itamar, Fernando Henrique Cardoso elegeu-se presidente na esteira do Plano Real. No fim da primeira metade de seu primeiro mandato, FHC resolveu retomar a ideia de taxar as movimentações financeiras, mas com uma nova roupagem.
Sancionada no fim de 1996, a CPMF passou a vigorar em 23 de janeiro de 1997. A contribuição partia de uma premissa nobre: fazer frente ao subfinanciamento do sistema público de saúde. O nome era diferente; o mecanismo de funcionamento, entretanto, era o mesmo.
Como funcionava a CPMF
Originalmente, cobrava-se 0,25% de cada transação que passasse pelo sistema bancário. Apesar de ser aplicada a todas as formas de transações possíveis e imagináveis, a tarifa acabou conhecida popularmente como “imposto do cheque”. Isto aconteceu porque o hoje quase irrelevante talão de cheques figurava na época entre os principais meios de pagamento no Brasil.
O cheque, entretanto, era só um dos problemas. A CPMF incidia também sobre as transações com cartões de crédito e débito, transferências bancárias, empréstimos, financiamentos, pagamento de boletos, contas de consumo e tudo mais que se possa imaginar.
Em resumo, tivesse você uma conta bancária como pessoa física ou jurídica, pagaria a CPMF ao depositar seu dinheiro no banco, ao sacá-lo da conta, ao transferir o dinheiro para outra pessoa ou empresa ou ao pagar um boleto. Isto sem contar outras operações no sistema financeiro.
A consequência da CPMF foi o estabelecimento de uma clássica cobrança em cascata. Ela incidia simplesmente sobre todas as etapas de transações financeiras realizadas pela indústria, pelo comércio e pelas famílias.
Ninguém escapava. Mesmo quem operasse por fora do sistema financeiro oficial acabava pagando a CPMF em algum momento. Isto porque todas as empresas embutiam a CPMF ao precificar seus produtos ou serviços.
Como resultado, todo brasileiro precisava ter em mente de que, a cada mil reais que precisasse ou conseguisse de algum modo movimentar, necessitaria de saída de mais R$ 25 para arcar com a CPMF.
Aumento da alíquota
Por ser provisória, a CPMF precisava ser renovada todos os anos pelo Congresso. Chegou a ser suspensa por alguns meses no primeiro semestre de 1999. Foi temporariamente substituída pelo IOF em 23 de janeiro de 1999 até voltar com tudo em 17 de junho daquele mesmo ano, mas elevada a 0,38%. E enquanto o que era provisório ia se tornando permanente, a tarifa que começara pequeninha ia ficando maiorzinha e aqueles R$ 25 passavam agora a ser R$ 38.
Com o aumento da alíquota, além de financiar o SUS, a CPMF passou também a ser usada para ajudar a combater o déficit da Previdência Social e a compor o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.
O fim da CPMF
Depois de muita chiadeira e disputa política, a CPMF acabou extinta em dezembro de 2007. No entanto, a alegação de que o desaparecimento do tributo levaria a alguma redução nos preços dos produtos e serviços jamais viria a se cumprir.
Dos três objetivos estabelecidos para justificar a CPMF, somente o combate à pobreza surtiu algum resultado. De acordo com dados da FGV, a população em situação de pobreza no Brasil passou de 28,29% em 1996 para 17,91% em 2007, período durante o qual a CPMF vigorou.
Apesar de não ter sido o principal motor desse movimento, o “imposto do cheque” é apontado entre os fatores que permitiram o financiamento dos programas de redistribuição de renda que até 2014 levariam os indicadores de pobreza entre a população brasileira abaixo dos 10% pela primeira – e única – vez na história antes de voltarem a subir nos últimos anos.
Entretanto, o Sistema Único de Saúde seguiu subfinanciado. As contas da Previdência Social, por sua vez, continuaram deficitárias.