História do sutiã: conheça a origem dessa peça revolucionária
A lingerie sempre se reinventa e se destaca por essas transformações – o acessório já foi simbolo de liberdade feminina e ao mesmo tempo de opressão
A moda naturalmente reflete o contexto da sociedade e por isso, nunca é estática. Tendências se criam de acordo com comportamentos, estilo de vida e ideologias. E assim como a moda, o sutiã – palavra que vem do francês “soutien gorge”, que significa “sustentador de seio”, se ressignificou ao longo dos seus quase dois mil anos de existência. Então, conheça a história do sutiã e entenda sua evolução até os dias atuais.
O primeiro sutiã do mundo – História do sutiã
As primeiras vestes usadas para cobrir as mamas foram os proto-sutiãs. Estes, surgiram em uma civilização grega, no início do Primeiro Milênio. Desde a sua criação, passou por inúmeras mudanças e em alguns períodos as mulheres não adotaram o acessório.
O sutiã configurado em faixas de pano para exercer funções como cobrir, achatar, comprimir, diminuir e sustentar as mamas, foi o primeiro sinal de algo parecido com o que conhecemos hoje. A época, por vezes, a peça modificava a forma original do corpo.
Pesquisas apontam que, na maioria dos casos, os proto-sutiãs compuseram as vestes das mulheres que não precisavam trabalhar. As escravas permaneceram com as mamas expostas.
A ascensão dos espartilhos
Na Idade Média, surgiram os espartilhos. As peças reinaram por mais de mil anos. Claro, atualmente as mulheres ainda usam o modelo, mas em situações que escolhem, não por “obrigação”.
Conhecidas também como corpetes, cintas e bustiês – as peças rígidas tinham modelagem estruturada por barbatanas, com a função de controlar o corpo, modelando-o e impondo-lhe uma silhueta considerada elegante na época. Ou seja, postura reta pela sustentação da coluna, cintura afunilada, busto acentuado e quadris reposicionados. Estes pontos, moldaram a silhueta feminina sob a influência do ideal estético e político regidos pela nobreza.
Ou seja, simbolicamente, representavam a superioridade e o prestígio da classe dirigente. Era um sinal de distinção do povo, visto que as mulheres que os usavam precisavam de ajuda para qualquer trabalho e até para despir-se.
Entretanto, o acessório era por muitas vezes asfixiante – as mulheres alimentavam a ideia de que quanto mais apertado estivesse, mais adequado seria – contudo, esse pensamento causou a morte de várias delas, que tiveram costelas quebradas e órgãos perfurados pelo uso da peça.
Nascimento do modelo atual – História do sutiã
Os problemas e desconfortos causados pelos espartilhos, fizeram a peça cair em desuso. Ao perceber que os corpetes tornavam-se cada vez mais arcaicos, uma francesa chamada Herminie Cadolle, criou um modelo que sustentava os seios por baixo e suspendia-os com o uso das alças apoiadas nos ombros – um modelo bem parecido com o sutiã que conhecido nos dias de hoje.
Herminie pensou na peça em 1889, mas, acabou por não patentear a ideia. E foi aí que a nova-iorquina Mary Phelps, patenteou um modelo parecido em 1914, e acabou sendo reconhecida como criadora do sutiã. A mulher contou com a ajuda de sua empregada francesa para criar uma espécie de porta-seios, usando dois lenços e fitas para bebê.
Em 1930 a peça ganhou ainda mais destaque – já existiam variedades de cores, tamanhos e modelos. Não demorou muito para que mulheres usando a peça estampassem as revistas – o que acabou tornando o sutiã um objeto de sedução. O acessório também virou símbolo de passagem para uma mulher adulta, que perdeu a inocência e que de certa forma, já poderia ser cobiçada pelos homens.
Desde então, o sutiã foi desenhado e redesenhado. Entretanto, apesar das variáveis existentes em cada modelo, sua estrutura básica permanece a mesma. Atualmente, existem muitas marcas de lingeries. A peça é cada vez mais exposta e valorizada. Conforto, autoestima e aceitação podem ser encontrados com mais facilidade nas araras das lojas. Vivemos um período de transformação.
Queima de sutiãs
Mas, nem sempre foi assim. Um episódio que aconteceu em uma manifestação das ativistas do Women’s Liberation Movement durante o concurso Miss America de 1968 ficou muito conhecido. No protesto feminista, as mulheres teriam queimado sutiãs. Mas, na verdade, a queima foi simbólica.
As mulheres colocaram no chão e no lixo, objetos como sutiãs, sapatos de salto alto, cílios postiços, maquiagens, revistas femininas, cintas, sprays de cabelo e outros itens ligados à beleza feminina. A ideia era queimar, mas as manifestantes não tiveram aval. A ação, tinha como proposta denunciar a exploração comercial da aparência feminina, mas, apesar disso, até hoje, muitos interpretam a manifestação como uma negação dos atributos femininos.
Pode-se perceber então, que a postura de romper padrões não é nova, mas atualmente parece estar ligada a uma busca por identidade, separando os desejos individuais daquilo que é socialmente esperado ou imposto.
História do sutiã e a liberdade feminina
Séculos de objetificação do corpo feminino tiveram grande impacto na autoestima das mulheres. De acordo com um estudo da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), o Brasil ocupa o segundo lugar do ranking mundial de cirurgia plástica, devido às mamoplastias – cirurgia que proporciona o aumento dos seios. Esse é procedimento mais procurado pelas brasileiras.
Mas, se as peças costumam aumentar os seios e deixá-los mais robustos e sensuais, por que a sua necessidade tem sido questionada? Pois bem, para muitas mulheres, sutiã ainda é sinônimo de algo que aperta, pinica e incomoda. E, como a tendência de moda mais significativa dos últimos anos é o conforto, modelos confortáveis e sem bojo tem sido projetados para agradar as mulheres modernas. Algumas alegam até, a não necessidade da peça, contudo vêem como algo com o qual não se pode viver sem.
Tem que usar sutiã?
Existem arquétipos de mulher: a conservadora, a sensual, a submissa, a permissiva. Baseados em heranças culturais, esse tipo de imagem domina o imaginário coletivo. Nesse cenário, tornar o seio um fetiche é alimentar mais uma ferramenta de controle masculino sobre o corpo da mulher.
Segundo o Datafolha, quando há um estupro, um em cada três brasileiros acredita que a culpa é da mulher. Para 30% dos homens, se a mulher veste roupas “provocativas”, não pode reclamar caso seja estuprada. Ou seja, fica cada vez mais difícil deixar de usar a roupa íntima quando se deseja.
Uma outra pesquisa realizada com mais de 3 mil pessoas pelo Instituto Francês de Opinião Pública (Ifop), deixou evidente os preconceitos em torno do acessório quando revelou que para 20% dos entrevistados, deixar os mamilos visíveis através da roupa pode ser um “fator agravante” para o estupro.
Não obstante, o isolamento social que se deu devido à pandemia do coronavírus em 2020, alimentou a tendência chamada “No Bra”, que significa, sem sutiã. E ainda mais mulheres decidiram abandonar a lingerie. Adeptas ao movimento, pelo menos 44% das francesas já saíram de casa sem sutiã no último ano, diz a pesquisa – que ainda revelou: para 34% dos entrevistados, uma mulher que não usa sutiã “quer atrair olhares”.
Sutiã no trabalho
O uso da peça é cultural. Não está escrito em nenhuma constituição que a mulher é obrigada a usá-lo. No entanto, muita gente interpreta o não uso do acessório como uma ofensa. A pesquisa do Ifop ainda destacou que para 53% dos entrevistados (60% homens e 46% mulheres) não é apropriado ir ao trabalho sem sutiã.
Houveram muitas discussões em torno da obrigatoriedade da mulher usar sutiã no trabalho. Muitas delas, clamam pelo direito de sentirem-se confortáveis no ambiente. Ainda não existe nenhuma resposta concreta, mas especialistas indicam o uso da peça, justamente pelo fator cultural que atribui o acessório. Todavia, para atividades de lazer, o uso do sutiã ou não, fica à critério da mulher.
Em um fórum de mães na internet, uma mulher escreveu: “Eu amaldiçoo a pessoa que inventou os sutiãs. Eu os odeio, mas tenho vergonha de não usá-los, o que não seria um problema se isso fosse ‘normal’ ou se eles nunca tivessem sido criados!”.
Sutiã é autocuidado
Se para algumas mulheres usar o sutiã não é nada mais do que uma obrigação, para muitas outras, a peça é indispensável no guarda-roupa. Uma lingerie pode significar autocuidado, amor próprio e uma forma de aumentar o vínculo com o corpo. Para essas mulheres, vestir uma lingerie e sentir-se bem com a peça, é uma forma de aceitar o próprio corpo.
O novo sexy
Independentemente do lado escolhido – contra ou a favor ao sutiã -, é muito importante reforçar a tendência do confortável. Ou seja, a ideia de vestir-se conforme a mulher se sente mais feliz e adequada. Claro, que para as que desejam não usar o sutiã, a batalha pode ser um pouco mais longa, mas a discussão sobre o tema já existe e é levada a sério. No futuro, o que se espera é que a “opção” ocupe de vez o espaço da “obrigação”.