O que está acontecendo com os indígenas Yanomami?

Nos últimos anos, 570 crianças Yanomami morreram por desnutrição e outras causas evitáveis; saiba o que levou a esse ponto crítico

Somente no curto espaço entre os anos de 2019 e 2022, 570 crianças Yanomami morreram em território brasileiro, mais especificamente no estado de Roraima, região Norte do país. O número foi revelado em uma reportagem do jornal Sumaúma, que ainda trouxe o desabafo de um profissional de saúde que atua na terra indígena Yanomami: “Não estamos conseguindo contar os corpos”.

As mortes infantis foram causadas por desnutrição, diarreia, pneumonia ou malária, que são consideradas causas evitáveis – ou seja, são facilmente tratadas e curadas em um cenário normal. Os indígenas adultos também sofrem com males parecidos, especialmente fome e subnutrição. As imagens feitas na terra indígena e divulgadas nos últimos dias comoveram o país e levaram à pergunta: o que aconteceu para chegar nessa crise humanitária?

Na sexta-feira, 20 de janeiro, no mesmo dia em que foi divulgado o número de crianças Yanomami mortas nos últimos quatro anos, o governo brasileiro convidou especialistas e montou o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das Populações em Território Yanomami. “O grupo se deparou com crianças e idosos em estado grave de saúde, com desnutrição grave, além de muitos casos de malária, infecção respiratória aguda (IRA) e outros agravos”, informou o Ministério da Saúde à Agência Brasil. A pasta declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional na região.

No sábado, dia 21, o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), empossado em 1º de janeiro, foi pessoalmente ao território indígena Yanomami. “Se alguém me contasse que aqui em Roraima tinham pessoas sendo tratadas da forma desumana como o povo yanomami é tratado aqui, eu não acreditaria”, disse, também segundo a Agência Brasil.

Lula ainda visitou o hospital e a Casa de Apoio à Saúde Indígena, em Boa Vista. “Nós queremos mostrar que o SUS [Sistema Único de Saúde] é capaz de fazer um trabalho que honra e orgulha o povo brasileiro como fez na [pandemia de] covid-19.” Acabar com o garimpo ilegal foi uma das principais promessas de campanha de Lula.

Neste último domingo, dia 22, o Ministério da Saúde informou que quer acelerar a publicação de um edital do Programa Mais Médicos para recrutar profissionais, formados no Brasil ou no exterior, para atuação em território Yanomami.

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Como chegou a esse ponto: garimpo ilegal e ausência do Estado

A invasão de cerca de 20 mil garimpeiros ilegais no território Yanomami é apontada como a principal causa do atual estado de emergência, este último decretado pelo Ministério da Saúde na última sexta-feira, 20. Para explorar em busca de ouro e cassiterita, os mineradores ilegais abrem crateras na terra e despejam mercúrio e gasolina no leito de rios, entre outras atividades danosas ao meio ambiente, tornando impossível a vida indígena na região.

Além de forçar indígenas a saírem do território, os criminosos ainda expulsaram equipes de saúde, o que piora ainda mais o cenário. Um exemplo dessa violência foi retratado há pouco mais de um mês, em 6 de dezembro de 2022, quando garimpeiros incendiaram a Unidade Básica de Saúde Indígena região do Homoxi, que estava desativada desde setembro de 2021 devido à invasão e às ameaças aos profissionais de saúde. Com a saída da equipe médica, a pista de pouso, que antes recebia aeronaves para levar pacientes graves para outros centros hospitalares, passou a ser usada por 15 aeronaves pertencentes ao garimpo ilegal. O caso foi denunciado formalmente ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal.

De acordo com o Conselho Indígena de Roraima (CIR), o garimpo é a maior razão da crise humanitária Yanomami. Em entrevista ao Nexo, o órgão ainda criticou, em dezembro de 2022, a ausência da atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai) no estado. Procurado ainda em dezembro, o governo de Roraima disse que a responsabilidade com os povos indígenas é da Funai. À época, o cargo era ocupado pelo militar Marcelo Augusto Xavier da Silva, indicado pelo governo de Jair Bolsonaro (2018 – 2022).

Pedidos de justiça para indígenas foram ignorados

Em julho de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF)  determinou que a União tomasse providências para isolar e conter invasores em sete terras indígenas – entre elas, a Yanomami – e que colocasse barreiras sanitárias para conter a pandemia de covid-19.

Quase um ano depois, em março de 2021, a Justiça Federal de Roraima determinou que a União, a Funai, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) teriam dez dias para dar início à retirada de todos os garimpeiros da terra indígena Yanomami, sob pena de multa diária de R$ 1 milhão, como noticiou o veículo de comunicação Amazônia Real. Ainda assim, o cenário seguiu até o estado de calamidade que foi divulgado nos últimos dias.

Quem são os Yanomami?

Habitantes da Floresta Amazônica, os Yanomami receberam este nome de antropólogos, sendo derivado da palavra “yanõmami” (que, na língua Yanomami ocidental, significa “seres humanos”). Habitam, principalmente, nos estados de Roraima e Amazonas. Existem também grupos indígenas Yanomami vivendo na Venezuela, que conserva parte da Amazônia em seu território.

Segundo a lei brasileira, 9.664.975 hectares de floresta tropical pertencem à terra indígena Yanomami. Eles vivem em casas coletivas ou aldeias, e cada uma delas é considerada uma entidade autônoma, tanto na política quanto na economia. No Brasil, até o fim do século 19, o povo Yanomami mantinha contato somente com grupos indígenas vizinhos.

Os primeiros registros de contatos diretos com pessoas não indígenas aconteceram entre as décadas de 1910 e 1940, sendo feitos por representantes da fronteira extrativista local (ou seja, caçadores, piaçabeiros e balateiros), funcionários do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), soldados da Comissão de Limites e viajantes estrangeiros.

Qual é a maior tribo indígena do Brasil?

O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em 2010, registrou 896.917 indígenas em solo brasileiro. Eles estão presentes em todos os estados da federação, sendo a Região Norte a que concentra o maior número deles.

Segundo a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), os cinco povos mais numerosos do país são, nesta ordem, guaranis, ticuna, caingangue, macuxi e terena. O povo guarani habita, além do Brasil, o Paraguai, o Uruguai e a Bolívia. Entre si, estão divididos entre os grupos caiová, ñandeva e mbya. Embora os três tenham costumes semelhantes – por exemplo, seguem a liderança espiritual do tamoi (avô) –, cada um tem idiomas e culturas diferentes.

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