Privilégio branco: o que é e qual a importância de reconhecê-lo?

O avanço das pautas raciais no Brasil exige um passo importante: o reconhecimento de privilégios. É através dele que a mudança de atitudes e a saída da neutralidade que sustenta a estrutura racista pode causar um impacto real.

Racismo é uma pauta que, apesar de sempre presente, ganhou mais atenção em alguns momentos específicos de 2020. Assim como demonstram os dados do Google Trends, o termo “privilégio branco” e “racismo” tiveram auge nas pesquisas durante o mês de maio.

 

Isso acontece porque o período foi marcado por duas situações: João Pedro, adolescente brasileiro, foi baleado durante uma operação policial em São Gonçalo, município pertencente à Região Metropolitana da cidade do Rio de Janeiro, em 18 de maio. E George Perry Floyd Jr., afro-americano, foi assassinado em Minneapolis no dia 25 de maio de 2020, estrangulado por um policial branco que ajoelhou em seu pescoço durante uma abordagem por supostamente usar uma nota falsificada de vinte dólares em um supermercado.

Portanto, gerou-se uma onda de debates sobre racismo nas redes sociais e manifestações nas ruas. Apesar dos movimentos dos EUA e do Brasil carregarem inúmeras diferenças, ambos os casos deram força para a movimentação brasileira.

O que é privilégio branco?

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Imagem: freepik

Privilégio é o direito especial de um grupo sobre a maioria. São vantagens sistêmicas, simbólicas e materiais de um indivíduo ou grupo sobre outros por condições diversas. Isso se liga diretamente à branquitude e ao racismo, e demonstra que, sim, a cor da sua pele influencia a sua vida.

Nossa sociedade foi construída sobre o cenário de um racismo estrutural. Os 338 anos de desumanização e exploração de pessoas negras deixou marcas e ideias que continuaram após a abolição da escravatura. Uma estrutura que herdamos e que não conseguiremos nos livrar olhando para a disparidade e preconceito racial com um olhar neutralizador.

Acontece que o privilégio branco afeta a todas as pessoas da sociedade. Pessoas brancas vivenciam benefícios, enquanto outras etnias e raças não. É um fator silencioso, e que é aceito como normal em nossa sociedade. Se você não sabe o que é privilégio, provavelmente você é branco. Ou mesmo, provavelmente quanto mais privilégios você tem, menos você entende o que é. A cegueira é comum para aqueles que o possuem, ainda mais contando com a falta de repertório de experiências.

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Privilégio branco e a herança brasileira

O Brasil é um país com grande desigualdade racial, tendo uma herança histórica que carrega a miscigenação – o que muitas pessoas acreditam ser uma desculpa para afirmar um Brasil utópico e não racista – como uma saída para o embranquecimento da população.

A data de 13 de maio de 1888, a abolição da escravatura, é então o momento em que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea e livrou os negros de um grande julgo de submissão. Contudo, após cerca de três dias de comemoração, os ex-donos de escravos reuniram todos os negros e mandaram embora, sem-terra, sem comida, sem dinheiro, sem sapatos, vestidos em roupas velhas de algodão grosso.

Além disso, o século XIX teve seu marco pela tese ou ideologia de embranquecimento. Dessa maneira, acreditava-se que a população estava sendo “enegrecida”, então surgiram políticas para clarear o país. Portanto, os imigrantes chegaram ao Brasil com ofertas de trabalho e moradia, com o objetivo de clareamento da população. Assim, pode-se observar a estrutura do racismo construído em nossa sociedade dentro de uma noção de supremacia branca. O desejo de uma nação mais parecida com o ideal europeu. Portanto, vemos a origem da branquitude nascida em um processo de colonização europeia no mundo.

Branquitude e racialização

Quando falamos de branquitude nas perspectivas e contextos do movimento antirracista, falamos de uma ideia historicamente e culturalmente construída, onde o fenótipo branco ganha atribuições morais, intelectuais e estéticas que trazem uma ideia de civilização. Essa norção, construída no século XIX, faz com que o branco seja enxergado como a imagem do normal e neutro. O branco enxerga a si mesmo como um modelo, o padrão de normalidade e aceitação.

Negros, indígenas e amarelos são olhados com olhares racializados, enquanto o branco é visto apenas como indivíduo. O negro representa a sua raça, enquanto o branco a ele mesmo. Pessoas brancas não costumam se ver racializadas e isso influencia em como elas lidam com o racismo, passando o problema para o “outro”. Poder se livrar de tal encargo é um privilégio branco. O processo de consciência e enfrentamento do racismo é indissociável do reconhecimento de privilégios.

Reconhecer o privilégio é o primeiro passo

Admitir um privilégio é difícil porque faz você se reconhecer também no papel do opressor ou agressor. Também mostra o quão próximo ele está de você. E depois que um reconhecimento é feito, já não é mais possível ser conivente com as opressões e o peso das suas atitudes.

Ao negar que existe privilégio branco, assim como racismo, essas pessoas se veem livres de qualquer responsabilidade. Não reconhecem o sistema de opressão onde seus privilégios existem em detrimento de pessoas negras. “Ver o racismo como ‘um problema dos negros’ é um privilégio dos brancos”, afirma a pesquisadora Lia Vainer Schucman em entrevista ao The Intercept. “É um processo individual, coletivo e institucional. Depois de reconhecer que há privilégios por conta do racismo, quem quer se opor ao problema tem que fazer uma vigilância constante”, diz.

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Ilustração: freepik

Democracia racial: um mito

Ainda enfrentamos um grande abismo para chegar a uma democracia racial. Entretanto, a ideia de sua existência é muito propagada, já que muitos acreditam que a miscigenação é um fator que nos livra do julgo do racismo. A origem mais forte dessa ideia vem do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, em seu livro “Casa-Grande e Senzala”. Segundo ele, a miscigenação gerava um povo mais forte e capaz de se desenvolver e apoiava a existência da relação cordial entre senhores e escravos no período colonial.

Assim se forja a falsa ideia de simetria racial. Porém, é a isenção da população branca que sustenta os mecanismos de opressão.

 

Eu sou privilegiado?

Acredite, quando falamos de racismo e privilégio branco, a discussão alcança muitos espaços. Como afirma o jornalista Touré, em sua matéria “Pessoas Brancas Falam sobre Privilégio Branco” no Vice, “Só porque alguém não conseguiu capitalizar com sua vantagem, não significa que a pessoa não a tenha. Se você perde um jogo em casa que já começou com dois pontos de vantagem para o seu time, isso não apaga o fato de que você começou na frente”.

Uma boa representação das heranças do racismo e privilégio branco podem ser observadas em um jogo, como apresenta o Instituto Identidades do Brasil:

 

Muitas das vantagens podem nem ser notadas por pessoas brancas, mas são extremamente reais. Não ser seguida no supermercado ou encontrar uma base de maquiagem sem grandes esforços, por exemplo, é uma delas. Você compreende seus privilégios?

Fonte Entrevista The Intercept Pessoas brancas falam sobre privilégio branco
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