O que é apropriação cultural e como posso evitá-la?
Tem se falado muito à respeito de apropriação cultural, mas você sabe o que é? Veja alguns exemplos de como não ser desrespeitoso com outra cultura
O termo “apropriação cultural” surgiu para descrever tudo, desde maquiagem e estilos de cabelo a tatuagens, linguagem e até mesmo certas práticas de bem-estar . A frase teve origem na década de 1980 em discussões acadêmicas sobre o colonialismo e o tratamento das culturas minoritárias. A partir daí, ele abriu caminho para o léxico moderno – e estamos aqui para dividir essas informações para você, de acordo com especialistas em cultura.
O que é apropriação cultural?
Apropriação é o ato ou efeito de apropriar-se, de tornar próprio e adequado. É tomar posse de algo que pertence a uma pessoa ou grupo. O termo, conceitualizado pela antropologia, procura definir o ato de se utilizar ou adotar hábitos, objetos ou comportamentos específicos de uma cultura.
Tranças, turbantes, música e comportamento social: quando estes elementos, que caracterizam uma cultura que não a sua, passam a integrar uma cultura dominante e ganham novos significados, então é apropriação cultural.
De acordo com o Brasil Escola, o antropólogo Rodney William define: “a apropriação cultural é um mecanismo de opressão por meio do qual um grupo dominante se apodera de uma cultura inferiorizada, esvaziando de significados suas produções, costumes, tradições e demais elementos. É uma estratégia de dominação que visa apagar a potência de grupos histórica e sistematicamente inferiorizados, esvaziando de significados todas as suas produções, como forma de promover seu genocídio simbólico. Apropriação cultural e racismo são temas imbricados”.
Elementos das culturas indígenas, orientais, periféricas também são apropriados em massa e de forma indevida. No entanto, a apropriação cultural de elementos simbólicos da cultura negra são os mais problemáticos, principalmente em um país como o Brasil, em que as pessoas se negam racistas – mas que foi erguido por genocídio e escravidão.
O que é cultura?
A fim de responder o que é apropriação cultural é preciso, ainda que superficialmente, apontar o que é cultura. De acordo com Kiusam de Oliveira, Doutora em educação que desenvolveu atividades formativas para educadores e profissionais de todas as áreas juntamente às instituições públicas e privadas com temáticas relacionadas à questões étnico-raciais, cultura é um verbo do latim – colere – que significa cuidar.
“Vejamos tal sentido através das palavras agricultura (cuidar da terra), piscicultura (cuidar dos peixes), puericultura (cuidar das crianças), floricultura (cuidar das flores). De acordo com Marilena Chauí, cultura é a capacidade que seres humanos têm de se relacionar com o ausente, através de símbolos como a linguagem e o trabalho por meio do qual fazemos surgir no mundo o que não existia, o que estava ausente. Não é maravilhoso pensar via filosofia o que é cultura?”, diz Kiusam.
Apropriação cultural na música
Jazz, Blues, Funk, Folk, Gospel e Soul tem suas raízes em estilos negros, mas fizeram sucesso na voz de brancos.
Quando se fala em Rock, o primeiro nome que surge na cabeça da maioria das pessoas é Elvis Presley. Afinal, ele quem leva o título global de “Rei do Rock”, quando, na verdade, o potente Chuck Berry é quem merece isso. Mesmo ao vasculharmos pelo Google, veremos que todos os resultados estarão voltados para Elvis. No mundo da música, esse pode ser um exemplo de apropriação cultural.
No Brasil, o funk tem uma trajetória parecida. Criado na periferia, o estilo já foi muito marginalizado, no entanto, o sucesso desse estilo de música atingiu escalas globais e hoje é escutado em todas as classes sociais. O Funk habita hoje, tanto às favelas, quantos às festas de luxo. No entanto, quando são os jovens periféricos à escutar, acabam marginalizados.
Trança pode ser apropriação cultural?
As tranças existem há milênios e foram usadas por diversos povos e culturas ao longo da história. Para os africanos por exemplo, o cabelo tem um grande significado religioso e social – sendo uma grande riqueza. Houve uma época em que foi um importante instrumento de comunicação entre as mulheres negras escravizadas.
E apesar de muito popular, foi na cabeça de mulheres negras que as tranças foram apresentadas e até hoje possuem um significado fundamental. Seja na identidade, cultura e resistência da população negra, o cabelo é importante, porque supera o aspecto estético e assume um lugar de importância na cultura africana e negra de modo geral.
Trajes típicos
O kimono, como se sabe, é um patrimônio da cultura japonesa. Usa-de kimonos para celebrar a saúde, o crescimento de nossas crianças, noivados, casamentos, formaturas, e em funerais. É uma peça especial e passada de geração em geração. Assim como trajes da cultura indiana e muçulmana. Apropriar-se desses trajes para fazer uma fantasia, por exemplo, pode ser um grande sinal de desrespeito.
Um outro exemplo é a cultura indígena – que é diversa, politeísta e repleta de acessórios, penduricalhos, instrumentos e costumes. Cada pintura tem um significado e não levar isso a sério é desrespeito. Principalmente levando em conta que vivemos num país onde os indígenas têm cada vez menos espaço e sofrem cada vez mais com as invasões do homem branco e do governo em seu território.
A mesma ideia vale para outras religiões, orientações sexuais, sexo e povos. Quando o traje é usado de forma errônea, caracteriza-se preconceito e desrespeito.
Como evitar a apropriação cultural?
Antes de “pegar emprestado” de uma cultura, pergunte-se: O que estou fazendo é resultado de um estereótipo? Estou usando algo sagrado para outra cultura – como um cocar – de uma forma petulante ou “divertida”? Estou esquecendo de dar crédito à fonte de minha inspiração? Se você puder responder “não” com segurança a essas perguntas, provavelmente será capaz de evitar a apropriação cultural. Mesmo assim, proceda com cautela.
Para Rodrigo Linhares, especialista em psicologia clínica, social, organizacional e desenvolvimento humano antes de se fazer qualquer viagem, por exemplo, independentemente do destino, é extremamente necessário uma pesquisa e busca para entender as regras explícitas e implícitas daquela comunidade ou povo, para evitar assim, o mínimo possível de gafes e de situações que possam ser entendidas como agressivas e desrespeitosas.
“De modo geral, a apropriação cultural está muito ligada à símbolos e significados e não apenas ao elemento físico usado por alguém. Entender a relevância desses atributos que dão sentido ao objeto pode ser um bom caminho para uma autoconsciência de respeito a cultura do outro, eliminando possíveis noções hierárquicas entre essas culturas”, orienta. .
Apropriação versus apreciação cultural
“Eu acredito na existência da apreciação cultural sem que alguém queira se apropriar da cultura do outro, mas para isso é necessário reconhecer o que é branquitude, o significado de racismo estrutural bem como suas estratégias de ação”, explica Kiusam. “Conscientes disso, o branco poderá entrar, por exemplo, num terreiro de candomblé ou numa festa de jongo ou congo, bem devagar, com respeito, sem querer impor suas visões ocidentais, individualistas e binárias, já por ter consciência de boa parte do que constituem esses universos. O tangível e o intangível estão presentes e são tratados com o mesmo respeito”, explica.
A especialista ainda garante: “é fundamental as pessoas se permitam olhar sem julgar e assim, apreciar respeitosamente, sem desejar roubar ou buscar caminhos para tirar vantagens financeiras em tudo de potente e maravilhoso que as outras culturas fazem”.
Ou seja, Kiusam deixa claro que, não há problema nenhum em fazermos uso de elementos de outras culturas que admiramos ou queremos homenagear, entretanto, conhecê-las é fundamental.
Fontes: Kiusam de Oliveira é escritora e Doutora em educação. A especialista desenvolveu atividades formativas para educadores e profissionais de todas as áreas juntamente às instituições públicas e privadas. As temáticas eram relacionadas à questões étnico-raciais | Rodrigo Alves Linhares, é coordenador dos curso de graduação em Psicologia e Serviço Social da Universidade Anhanguera de São Paulo. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Clínica, Social, Organizacional e Desenvolvimento Humano.
Não existe “apropriação cultural”, é uma falácia !
A cultura não tem dono.
Os que negam a cultura (qualquer cultura) aos outros, são os primeiros a querer apropriar-se dela.